quinta-feira, 2 de agosto de 2012


III
No quarto, a rapariga está de joelhos a tentar perceber para que serve aquela argola no sobrado. Sem luz, pois já é de noite, a rapariga procura algo, apalpando o banco e depois a cadeira acabando por encontrar um coto de vela e uma caixa de fósforos.
Acende a vela e aproxima-a da argola de ferro.
Olhando com mais atenção, descobre um sulco no chão e começa a limpar as tábuas com os dedos.Percebe que o sulco pertence a um alçapão e tenta abri-lo.
Pareceu-lhe ter ouvido algum ruído no exterior do quarto o que a fez parar de limpar o chão, ao mesmo tempo que olhava para a porta, amedrontada. Finalmente ouviu alguém a afastar-se e percebeu que era a dona da casa. Apagou a vela, levantou-se com cuidado e abriu a porta do quarto. Viu, então, a velha a afastar-se e a desaparecer pelas escadas abaixo.Fechou a porta e voltou a ajoelhar-se junto ao alçapão.Tentou levantar a argola de ferro mas não conseguiu. Levantou-se e começou a procurar qualquer coisa para a ajudar a levantar a argola. Olhou para todos os lados mas não encontrou nada no quarto que a pudesse ajudar. Por fim, dirigiu-se à pequena mala que trazia na mão e abriu-a procurando freneticamente, no meio da roupa, revirando tudo. Acabou por despejar todo o conteúdo da mala sobre a cama e descobriu uma tesoura.
Olhou para a tesoura com satisfação e dirigiu-se de novo ao alçapão. Enfiou os bicos da tesoura na argola conseguindo levantar um pouco o alçapão. O pó provocava-lhe tosse pelo que virou a cabeça para o lado. O buraco do alçapão está escuro e de lá vem um cheiro estranho que a fez tapar o nariz com a outra mão. Voltou a baixar a porta do alçapão e foi buscar o coto de vela, ainda acesa. Aproximou-se de novo e chegou o coto de vela ao buraco negro que se iluminou momentaneamente deixando ver uma rede de teias de aranha, espessa e quase cerrada. Com uma mão segurava a porta do alçapão, com a outra o coto de vela. Para tentar rasgar as teias de aranha passou a vela para a mão que segurava a porta do alçapão.
Nesse momento o coto de vela apagou-se. Tinha chegado ao fim!

sexta-feira, 13 de julho de 2012


II
Já na sala, a velha senta-se no sofá, embrulhada no xaile preto e roto. Como se tivesse sentido algo de estranho no andar de cima, olhou para o teto, fazendo um esgar com a boca desdentada. Algo ou alguém arranha o chão do andar de cima, como se quisesse cavar um buraco. A velha levanta-se, furiosa, e começa a subir as escadas.
No primeiro andar, ao cimo das escadas há um corredor e ao fundo do corredor há uma porta, para onde a velha se dirige, a coxear e a arrastar uma perna. Quando chega à porta, encosta o ouvido e faz uma careta. Afasta-se da porta e, quando está a meio do corredor ouve um ruído que a faz virar a cabeça, primeiro e depois o corpo todo. Volta a aproximar-se da porta e abre-a, furiosamente, entrando de rompante. Fecha a porta atrás de si e ouvem-se os passos dela a coxear e a arrastar a perna, num som cada vez mais sumido. Ouve-se algo a bater e quase imediatamente uns guinchos horrorosos. Depois faz-se silêncio e a velha regressa passados alguns minutos.
Abre a porta e sai. Fecha a porta e avança pelo corredor. Olha para baixo, como que tentando perceber se a rapariga ouviu os barulhos. Continua e desce as escadas até ao rés-do-chão, dirigindo-se ao quarto da rapariga. Encosta o ouvido à porta do quarto, durante algum tempo, parecendo não ouvir nenhum ruido e afasta-se não muito satisfeita.


(Continua)

domingo, 1 de julho de 2012

Uma História do Outro Mundo


I

Uma rapariga chega à Rua da Paz de mala na mão e senta-se numa cadeira do Café Central. Ao ser atendida, pede um copo de água. O empregado faz uma cara de poucos amigos mas regressa com um copo de água, poisando-o na mesa com brusquidão. A rapariga pega no jornal local, que está em cima da mesa e procura um trabalho na secção de anúncios. Então, faz um círculo num dos anúncios, com a esferográfica e, pegando nessa página, rasga-a e leva-a, levantando-se. Chega a uma loja de ferragens e fala com o patrão. Sai da loja satisfeita e dirige-se para o café novamente. Lá, fala com a dona do café, que é gorda e tem mau aspeto. Sai com alguma pressa e dirige-se a uma casa velha e esguia, com dois andares e um sótão.
Bate à porta com a maçaneta, primeiro levemente e depois com mais força. Uma velha debruça-se da janela do segundo andar e pergunta o que quer. Ela responde que procura um quarto. “Será que a senhora tem um quarto para alugar? Não posso pagar muito pois acabei de chegar e só amanhã começo a trabalhar!”
A velha desaparece da janela, fecha-a e demora alguns minutos a aparecer à porta.
Ao abrir a porta, mostra uma cara antipática, é magra, tem uma verruga no queixo e o cabelo em desalinho preso no alto da cabeça. Usa avental desbotado e umas pantufas muito velhas. Deixa entrar a rapariga e, por trás dela, faz um sorriso misterioso. A rapariga entra para uma sala com um velho sofá cheio de buracos, rasgado, coberto com mantas velhas, um xaile e um gato preto que a dona sacode, abanando a mão ossuda e comprida. Ordena à rapariga que se sente e ela obedece. Falam durante algum tempo e a rapariga acaba por ser conduzida a um quarto. A velha abre a porta do quarto, fazendo um sinal à rapariga para entrar. Com a cabeça indica-lhe a cama. A rapariga olha para a cama, que tem apenas um colchão de palha, às riscas azuis e brancas, muito velho. Olhando rapidamente à volta verifica que só tem um banco como mesinha de cabeceira e uma cadeira onde poderá pendurar alguma roupa. Nem tapete, nem guarda fato.

A velha faz novamente aquele sorriso misterioso e fechando a porta, afasta-se pelo corredor esfregando as mãos de contente, enquanto faz novamente aquele sorriso…

A rapariga limpa o pó da cadeira e senta-se, desolada, apoiando os cotovelos nos joelhos e a cabeça entre as mãos… Começa a chorar.

Enxuga as lágrimas e, olhando para o teto, verifica que não tem lâmpada. Mais ao lado, uma pequena janela deixa passar um fio de luz que incide numa das tábuas do sobrado. Seguindo o fio de luz com o olhar a rapariga verifica que há uma argola de ferro nessa tábua e aproxima-se, curiosa, debruçando-se sobre o chão.

( Continua)