Era o final de uma magnífica manhã de sol. Tatá e Merlin, debaixo do alpendre da casa do sapateiro, abrigavam-se na sombra, para enfim retomarem as buscas por Luna. Enquanto se concentravam neste pensamento, a Bé apareceu, muito alterada e falando em voz alta:
“- Merlin, Tatá! Parece que a Luna está a chegar!”
Os dois ratinhos entreolharam-se e deram um salto para o lado de fora correndo a tapar a boca da Bé que, compreensível mas precipitadamente, arriscava a vida diante do temível gato amarelo, que lavava as orelhas, com um olho aberto e outro fechado.
“- Não vês que nos colocas a todos em perigo?” – sussurrava Merlin.
“- A esta hora o pastelão do gato amarelo já nos topou! “ – reforçou a Tatá.
“ – Mmmas…a LLLuna…no carro…o rrrato Mickey…” – gaguejava a pobre da Bé.
“ – O quê? “ E o Merlin voltava-se para a Tatá, fazendo pequenos círculos, com o indicador junto à cabeça, querendo dizer que a sua irmã estava com um parafuso a menos.
“ – Deixa-a explicar-se!” – exclamou a Tatá com ponderação.
“- Fala Bé, o que é que viste?” – retomou a Tatá.
E a Bé lá contou o que tinha acabado de acontecer, começando, como era hábito, pela hora a que se tinha levantado de manhã, o que exasperava sempre os seus companheiros. À medida que a ratinha contava o sucedido e eles começavam a compreender, os seus narizes tremiam de contentamento e nem interrompiam para não atrapalhar a companheira ainda mais. Quando o relato chegou ao fim, Merlin pegou nas mãos da Tatá e da Bé e desatou a correr a toda a velocidade dizendo:
“ – Depressa, não podemos atrasar-nos! Temos de ser os primeiros a chegar ao cimo do campanário, como lhe prometi!”
E, assim, Merlin puxava as duas ratinhas e elas lá iam como podiam, tropeçando aqui e ali. Uma vez chegados ao campanário da igreja, depararam-se com um grupo de crianças que andavam a brincar no parque, segurando, no meio de risos e saltos, balões coloridos esticando os frágeis fios a que estavam presos, num ímpeto de voarem acima das árvores, cujas sombras se projectavam em círculo nos passeios em redor. Era quase meio dia, a hora combinada. Merlin ia à frente, subindo as escadas rapidamente, enquanto as duas ratinhas tentavam segui-lo. Começavam a bater as doze badaladas. Assim que chegaram lá acima e enquanto tapavam os ouvidos para não furarem os tímpanos, os ratinhos olhavam ansiosamente para os últimos degraus da escadaria de madeira, temendo que ainda não fosse desta vez o reencontro com Luna. Finalmente, começaram a ouvir uma respiração ofegante, entrecortada por ais e suspiros e, mesmo ao bater da décima segunda badalada, viram aparecer a cabeça cinzenta clara da Luna que, ao vê-los, desatou a chorar descontroladamente, não acreditando ainda ser verdade, o encontro há muito tempo esperado.
Os quatro ratinhos desataram aos saltos, dando as mãos em círculo e fazendo uma roda debaixo do sino, que parara de tocar, mas cujo metal ainda vibrava, tal como as aventuras vividas permaneciam, ainda que tenuemente, na memória. Bé, Tatá e Merlin não paravam de fazer perguntas sobre como tinha ido parar à Disneylândia, a viagem, o regresso e a tudo Luna ia respondendo com entusiasmo. No final, começaram a pensar como seria a vida deles dali para a frente e se alguma vez voltariam a viver aventuras tão emocionantes como aquelas por que já tinham passado. Com os queixos apoiados nas mãozinhas e os cotovelos unidos em cima das janelas da torre da igreja, diante das quais se elevavam folhas amarelecidas pelo sol naquele quase final de verão, começaram a olhar as crianças que, lá em baixo, continuavam a brincar animadamente, mal conseguindo segurar os balões que o vento encorajava a soltarem-se. De repente, por entre a revoada de folhas que subiam e planavam no meio dos ramos das árvores, dois balões soltaram-se, provocando uma série de exclamações de desapontamento que vinham de baixo, ao mesmo tempo que as cabecitas das crianças se viravam para cima e os deditos apontavam para o céu. Nesse momento Luna exclamou:
“ – Tive uma ideia!”
Merlin olhou perplexo para Luna e depois para Tatá e Bé, fazendo uma cara de quem pensava “vêm aí sarilhos”.
Sem perder tempo, Luna esticou o braço direito e apanhou o primeiro balão. O impulso fê-la desequilibrar-se mas Merlin e Tatá, que estavam mais perto, pegaram também no fio do balão para a ajudar. Como não conseguiu chegar tão perto, a Bé esticou, também, o braço, conseguindo agarrar o outro balão. Então Luna revelou aos outros a sua ideia.
“- Vamos fazer uma viagem de balão!”
“ – Sim!” - respondia o Merlin.
“ – Não”! – gemia a Tatá.
“ –Agora não podemos voltar atrás! Estamos em desequilíbrio e se o soltarmos caímos lá em baixo! Segurem-se bem! Bé segura-te tu também ao teu balão! Tenho esperança de que, mais tarde ou mais cedo voltaremos a encontrar-nos!”
Deixando-se levar, os quatro ratinhos levantaram voo, arrastados pelas correntes do vento quente do sul.
No seu balão, Bé afastava-se cada vez mais,dizendo adeus com a pequena mãozinha, prometendo juntar-se aos outros na próxima oportunidade.
Então, Merlin, maravilhado, Tatá, de olhos fechados e Luna, com eles bem abertos, começaram uma viagem pelos ares, iniciando uma nova aventura, que todos ansiavam que fosse plena de conhecimento, emoção e espírito de camaradagem.
(Nota: O balão de Luna , Merlin e Tatá rumou à serra da Lousã, enquanto que o de Bé se afastou um pouco, em direcção ao Senhor da Serra.)