sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Sonhos e aventuras

Era o final de uma magnífica manhã de sol. Tatá e Merlin, debaixo do alpendre da casa do sapateiro, abrigavam-se na sombra, para enfim retomarem as buscas por Luna. Enquanto se concentravam neste pensamento, a Bé apareceu, muito alterada e falando em voz alta:

“- Merlin, Tatá! Parece que a Luna está a chegar!”

Os dois ratinhos entreolharam-se e deram um salto para o lado de fora correndo a tapar a boca da Bé que, compreensível mas precipitadamente, arriscava a vida diante do temível gato amarelo, que lavava as orelhas, com um olho aberto e outro fechado.

“- Não vês que nos colocas a todos em perigo?” – sussurrava Merlin.

“- A esta hora o pastelão do gato amarelo já nos topou! “ – reforçou a Tatá.

“ – Mmmas…a LLLuna…no carro…o rrrato Mickey…” – gaguejava a pobre da Bé.

“ – O quê? “ E o Merlin voltava-se para a Tatá, fazendo pequenos círculos, com o indicador junto à cabeça, querendo dizer que a sua irmã estava com um parafuso a menos.

“ – Deixa-a explicar-se!” – exclamou a Tatá com ponderação.

“- Fala Bé, o que é que viste?” – retomou a Tatá.

E a Bé lá contou o que tinha acabado de acontecer, começando, como era hábito, pela hora a que se tinha levantado de manhã, o que exasperava sempre os seus companheiros. À medida que a ratinha contava o sucedido e eles começavam a compreender, os seus narizes tremiam de contentamento e nem interrompiam para não atrapalhar a companheira ainda mais. Quando o relato chegou ao fim, Merlin pegou nas mãos da Tatá e da Bé e desatou a correr a toda a velocidade dizendo:

“ – Depressa, não podemos atrasar-nos! Temos de ser os primeiros a chegar ao cimo do campanário, como lhe prometi!”

E, assim, Merlin puxava as duas ratinhas e elas lá iam como podiam, tropeçando aqui e ali. Uma vez chegados ao campanário da igreja, depararam-se com um grupo de crianças que andavam a brincar no parque, segurando, no meio de risos e saltos, balões coloridos esticando os frágeis fios a que estavam presos, num ímpeto de voarem acima das árvores, cujas sombras se projectavam em círculo nos passeios em redor. Era quase meio dia, a hora combinada. Merlin ia à frente, subindo as escadas rapidamente, enquanto as duas ratinhas tentavam segui-lo. Começavam a bater as doze badaladas. Assim que chegaram lá acima e enquanto tapavam os ouvidos para não furarem os tímpanos, os ratinhos olhavam ansiosamente para os últimos degraus da escadaria de madeira, temendo que ainda não fosse desta vez o reencontro com Luna. Finalmente, começaram a ouvir uma respiração ofegante, entrecortada por ais e suspiros e, mesmo ao bater da décima segunda badalada, viram aparecer a cabeça cinzenta clara da Luna que, ao vê-los, desatou a chorar descontroladamente, não acreditando ainda ser verdade, o encontro há muito tempo esperado.

Os quatro ratinhos desataram aos saltos, dando as mãos em círculo e fazendo uma roda debaixo do sino, que parara de tocar, mas cujo metal ainda vibrava, tal como as aventuras vividas permaneciam, ainda que tenuemente, na memória. Bé, Tatá e Merlin não paravam de fazer perguntas sobre como tinha ido parar à Disneylândia, a viagem, o regresso e a tudo Luna ia respondendo com entusiasmo. No final, começaram a pensar como seria a vida deles dali para a frente e se alguma vez voltariam a viver aventuras tão emocionantes como aquelas por que já tinham passado. Com os queixos apoiados nas mãozinhas e os cotovelos unidos em cima das janelas da torre da igreja, diante das quais se elevavam folhas amarelecidas pelo sol naquele quase final de verão, começaram a olhar as crianças que, lá em baixo, continuavam a brincar animadamente, mal conseguindo segurar os balões que o vento encorajava a soltarem-se. De repente, por entre a revoada de folhas que subiam e planavam no meio dos ramos das árvores, dois balões soltaram-se, provocando uma série de exclamações de desapontamento que vinham de baixo, ao mesmo tempo que as cabecitas das crianças se viravam para cima e os deditos apontavam para o céu. Nesse momento Luna exclamou:

“ – Tive uma ideia!”

Merlin olhou perplexo para Luna e depois para Tatá e Bé, fazendo uma cara de quem pensava “vêm aí sarilhos”.

Sem perder tempo, Luna esticou o braço direito e apanhou o primeiro balão. O impulso fê-la desequilibrar-se mas Merlin e Tatá, que estavam mais perto, pegaram também no fio do balão para a ajudar. Como não conseguiu chegar tão perto, a Bé esticou, também, o braço, conseguindo agarrar o outro balão. Então Luna revelou aos outros a sua ideia.

“- Vamos fazer uma viagem de balão!”

“ – Sim!” - respondia o Merlin.

“ – Não”! – gemia a Tatá.

“ –Agora não podemos voltar atrás! Estamos em desequilíbrio e se o soltarmos caímos lá em baixo! Segurem-se bem! Bé segura-te tu também ao teu balão! Tenho esperança de que, mais tarde ou mais cedo voltaremos a encontrar-nos!”

Deixando-se levar, os quatro ratinhos levantaram voo, arrastados pelas correntes do vento quente do sul.

No seu balão, Bé afastava-se cada vez mais,dizendo adeus com a pequena mãozinha, prometendo juntar-se aos outros na próxima oportunidade.

Então, Merlin, maravilhado, Tatá, de olhos fechados e Luna, com eles bem abertos, começaram uma viagem pelos ares, iniciando uma nova aventura, que todos ansiavam que fosse plena de conhecimento, emoção e espírito de camaradagem.

(Nota: O balão de Luna , Merlin e Tatá rumou à serra da Lousã, enquanto que o de Bé se afastou um pouco, em direcção ao Senhor da Serra.)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Novas pistas de Luna?

Quando ia a descer a Rua da Paz, a Bé ouviu alguém falar em voz baixa e isso despertou-lhe a atenção. Parou, escondendo-se atrás de uma árvore e colocou a mão atrás do ouvido para tentar ouvir melhor.

“- Ouve lá, eu moro aqui há algum tempo e sei bem como as coisas se passam! Há aqui boa gente mas é sempre preciso dar um incentivosinho!”

“- O que queres dizer com isso?”

“-Então, eu costumo pedir comida nesta esquina e as pessoas já se habituaram a mim! Já me adoptaram, como agora se diz!”

“- E, como conseguiste?”

“ - Ora, comecei por miar com um ar suplicante, de quem já não come há semanas! Por acaso nem era grande mentira, pois eu, quando aqui cheguei, estava magro que nem um carapau seco!”

“ - Pois e a minha situação é muito grave, como sabes! Fui posta na rua há pouco tempo, em vias de dar à luz! Os meus quatro gatinhos já nasceram e não tenho possibilidades de os sustentar sozinha! Aquela família com quem vivia começou logo a torcer o nariz quando me viu de barriga grande e aproveitaram a época de férias como desculpa para me porem na rua!”

“ – Isso é muito feio!”

“ – Pior, é catastrófico!”

“ – Então, estás a dar-me razão! Se aparecermos todos em conjunto vão pensar que somos uma família desalojada e isso enternece, pelo menos algumas pessoas!”

“ – Não sei, tenho medo e os gatinhos também!”

“ – Confia em mim! Fazemos assim: eu vou à frente e peço comida pois já me conhecem! Logo a seguir apareces tu com os gatinhos atrás! Vais ver como vai dar resultado!”

A Bé estava atordoada. “Como este mundo é cruel” – pensava ela. Para seu grande desgosto a Rua da Paz estava cheia de gatos e gatinhos. Nunca vira uma tão grande população de felinos no Verão. Até parecia que havia uma praga. No entanto, a espécie humana estava a manifestar cada vez menos escrúpulos. Bem sabia que os gatos adoram fazer sofrer os ratos mas o facto dos seres humanos os deitarem literalmente fora, também estava a contribuir para o extermínio dos ratos e isso preocupava-a mais do que tudo o que ouvira. É claro que isso não desculpava os humanos pela sua crueldade! A Bé foi-se afastando, a pensar nisto, quando uma travagem forçada a fez virar a cabeça na direcção oposta – era um carro grande e cinzento, com quatro pessoas e…um rato. “ Mas…é o rato Mickey!” Como está velhinho, pensou a Bé. Velhinho mas bem conservado. Ninguém lhe dá a idade que ele tem, 81 anos. * “É uma celebridade que há-de atravessar várias gerações, um verdadeiro imortal!” – pensou a Bé em voz alta. Mas isto faz-me lembrar qualquer coisa. Claro! O postal da Luna! Será que aqueles também estiveram na Disneylândia? Ou, melhor, será que eles são os humanos que levaram a Luna sem saberem? Se assim for a Luna está com eles…naquele carro!

“- Merlin, Tatá! Parece que a Luna está a chegar!”

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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O regresso

Enquanto recebia o envelope das mãozinhas trémulas da Bé, Merlin tentava raciocinar sobre a razão de Luna ter desaparecido e, de repente, mandar notícias pelo correio.

“- Não percebo!” – comentava Merlin - “A Luna falta ao nosso encontro, sobe a um arbusto e agora escreve?”

“- Vê se lês a carta e alto que é para nós ouvirmos bem!” – retorquiu a Bé.

Quando Merlin retirou o que estava dentro do envelope, viu que tinha um carimbo de Paris. Depois, verificou que era um postal que representava o castelo da Bela Adormecida.

“- Mas isto é na Disneylândia! Meninas, ela está na Disneylandia em Paris!!!”

“ - Oh! Que sorte!” – comentaram a Bé e a Tatá ao mesmo tempo.

“ - Sim, diz aqui que entrou por acidente no carro de um casal, esse casal resolveu fazer uma viagem de férias com os filhos, escolheram a Disney como destino e ela acabou por ser levada, sem eles saberem, num dos sacos da bagagem. Diz também que, apesar de ter sido um acaso, ela sempre quis visitar esse local e, por isso, não está nada arrependida!” – contou Merlin.

“- A ingrata! E nós aqui cheios de preocupação!” – respondeu de imediato a Bé.

“ - Sim, e se não a tivéssemos procurado, nem saberíamos se estava viva ou morta! O gato amarelo quase lhe ia deitando a unha!” – acrescentou a Tatá.

“ - Diz também, que em breve estará de volta pois a família que a levou, não pode lá ficar muito tempo! Só três dias!” – continuou Merlin.

“ - Bem, o que interessa é que está bem!” – disse a Tatá.

“ - E ainda teve a preocupação de mandar notícias!” – comentou a Bé.

Enquanto isso, Luna já vinha a caminho, pois o tempo que o postal demorou a chegar acabou por apanhar um fim-de-semana, fazendo com que a chegada de Luna fosse próxima da recepção do correio, na rua da Paz.

A viagem foi um tanto atribulada, pois Luna enjoou muitíssimo e não vinha muito bem acomodada entre um saco de roupa e outro de caramelos.

A certa altura, ouviu dizer que havia um acidente na estrada e que o trânsito tinha de ser desviado. Nesta altura do ano, havia muitas famílias de portugueses a trabalhar no estrangeiro, que regressavam à sua terra natal, para umas merecidas e retemperadoras férias. Só que a pressa de chegar era tão grande, que, por vezes, havia quem fizesse poucas pausas para descanso, o que provocava falta de atenção, originando alguns acidentes, alguns dos quais fatais.

“ - Bem, já podemos dormir descansados!” – desabafava Merlin, para quem o desaparecimento de Luna, constituíra um quebra-cabeças.

“ - Por estes dias ela deve estar de volta! Só espero que ela não se esqueça do local do encontro!” - continuou.

" - Onde era?” – perguntou a Tatá.

“ - Onde havia de ser? No campanário, claro!” – respondeu a Bé.

“ - Sim, no campanário, ao bater das doze badaladas!” – esclareceu Merlin.

domingo, 9 de agosto de 2009

A viagem

Durante o curto trajecto desde o velho teatro até ao destino que Luna desconhecia, o casal foi falando e fazendo planos para aquilo que parecia ser uma viagem. Falavam sobre finalmente estarem de férias e de tudo o que precisavam para que elas corressem bem. Finalmente, chegaram a uma casa cercada por um muro, com dois portões, um maior para passarem carros e outro menor que ficava em frente da porta principal, ao fundo de um pequeno caminho empedrado, ladeado de pequenas sebes amarelecidas, como se tivessem sido queimadas pelo Sol.

Assim que o carro parou, do outro lado da rua, Luna enfiou-se num dos sacos de compras que, no chão, um pouco abaixo do cavaleiro de cartão, aguardavam que os transportassem para a cozinha. Finalmente, alguém pegou nos sacos das compras e começou a tevá-los para dentro da casa. Ao passar pelo portão pequeno, Luna ficou aterrorizada com a visão de um azulejo que, aplicado no muro branco, anunciava a presença de um cão, recomendando cuidado. Depressa esqueceu o medo do cão pois, o cheiro intenso a queijo vindo do embrulho onde encostara a cabeça, deu-lhe uma enorme sensação de fome, fazendo-a quase desmaiar de fraqueza.

No quintal do senhor Avelino, Merlin, Bé e Tatá tentavam chegar a uma conclusão sobre as medidas que deveriam tomar para conseguirem saber o paradeiro de Luna. Acabaram por subir a trepadeira à procura de pistas que os pudessem esclarecer sobre o seu desaparecimento. Assim, um após outro, encabeçados pela Bé, à qual se seguiu a Tatá e, finalmente, o Merlin, conseguiram, com alguma dificuldade, chegar ao ramo que ficava mesmo encostado à janela do edifício. Uma vez lá, tentaram espreitar pelos vidros mas não se via nada por causa do pó acumulado ao longo de muitos anos. Então, a Tatá começou a passar a patinha pelo vidro, fazendo pequenos círculos, até que conseguiu alguma transparência, a necessária para ver um grupo de senhoras a limparem o chão ao longo dos corredores entre as filas de cadeiras. Ficou pasmada com a quantidade de lixo que as pessoas atiravam para o chão, certamente durante as sessões de cinema. Papéis de rebuçados, de chicletes, embalagens vazias de bolachas, enfim, uma autêntica lixeira. Enquanto espreitava, ia soltando "ais" e "Ah’s" o que deixava os outros em pulgas pois não estavam a ver nada e não sabiam a razão de tal espanto. Empurravam-se um ao outro para verem o que levava a Tatá a ficar tão escandalizada. Finalmente, as cabeças ora de Merlin, ora da Bé, alternavam na direcção da pequena clareira transparente, criada pela Tatá ao limpar o vidro. Também eles soltaram exclamações de espanto e tristeza pela pouca civilidade demonstrada pelos cidadãos que usufruíam daquela sala, onde tanto podiam ver interessantes filmes, como pequenos espectáculos, muitos dos quais apresentados pelas escolas dos diversos ciclos e onde, tanto a comunidade educativa local, como alguns convidados vindos de locais mais afastados da Rua da Paz, apreciavam o trabalho desenvolvido ao longo do ano lectivo.

Sem querer, tal como havia acontecido a Luna, o vidro deslocou-se para a frente e, por pouco, os três não iam parar lá em baixo. Merlin ficou com a testa cheia de gotas de suor e as pernas a tremer. Entrar assim, no palco do teatro, como que caindo num precipício, não era o que mais lhe apetecia nesse momento. Estavam a discutir sobre a melhor maneira de descer dali, quando uma das senhoras, olhando para onde lhe parecia vir um som de qualquer coisa a chiar, deu um enorme grito, apontando para a janela. Ao mesmo tempo, as colegas a tentavam acalmá-la, enquanto ela balbuciava algumas palavras que elas mal compreendiam. Finalmente conseguiu falar: “ – Rrrr…rrrr…ratos!!!” “Onde?” – perguntou a mais velha. “Ali, na janela, por cima do palco!” Os ratinhos ficaram sem pinga de sangue. Assim, de repente, não lhes ocorreu nada e como não tinham coragem de saltar dali, ainda por cima com um grupo de pessoas todas aos gritos a olharem para eles, resolveram voltar para trás, pelo mesmo caminho. Sem saber como, rapidamente puxaram a vidraça, conseguindo passar um a um, voltando para os ramos da bela trepadeira. Já no exterior, deram um suspiro de alívio e acabaram por se decepcionarem consigo próprios por não terem conseguido chegar ao palco ou à sala e tentarem encontrar algum vestígio ou sinal da presença de Luna, uma vez que as marcas deixadas no tronco da trepadeira davam a entender que ela teria subido por ali. Acabrunhados, regressaram a casa, combinando para o dia seguinte, uma nova escalada até à janela ou, então, tentarem a entrada por um caminho, onde não corressem o risco de serem descobertos por alguém.

No dia seguinte, Merlin foi acordado com a Bé e a Tatá aos berros, falando as duas atrapalhadamente e ao mesmo tempo. Merlin não entendia nada e tanto mais que passara a noite em claro a pensar no misterioso desaparecimento de Luna. Quando finalmente tinha conseguido pregar olho, é que aquelas duas tinham de aparecer de rompante e numa enorme algaraviada de onde pareciam emergir as palavras “postal”, “viagem” e “castelo”. Merlin não estava a entender e mandou-as calar. Elas calaram-se e a Bé, a tremer, esticou o bracinho para entregar um envelope a Merlin. Cheio de curiosidade, pegou no envelope e os seus olhos nem queriam acreditar no que estavam a ver. Era um postal de Luna, que escrevia do local onde estava e onde explicava resumidamente como tinha ido ali parar.