domingo, 9 de agosto de 2009

A viagem

Durante o curto trajecto desde o velho teatro até ao destino que Luna desconhecia, o casal foi falando e fazendo planos para aquilo que parecia ser uma viagem. Falavam sobre finalmente estarem de férias e de tudo o que precisavam para que elas corressem bem. Finalmente, chegaram a uma casa cercada por um muro, com dois portões, um maior para passarem carros e outro menor que ficava em frente da porta principal, ao fundo de um pequeno caminho empedrado, ladeado de pequenas sebes amarelecidas, como se tivessem sido queimadas pelo Sol.

Assim que o carro parou, do outro lado da rua, Luna enfiou-se num dos sacos de compras que, no chão, um pouco abaixo do cavaleiro de cartão, aguardavam que os transportassem para a cozinha. Finalmente, alguém pegou nos sacos das compras e começou a tevá-los para dentro da casa. Ao passar pelo portão pequeno, Luna ficou aterrorizada com a visão de um azulejo que, aplicado no muro branco, anunciava a presença de um cão, recomendando cuidado. Depressa esqueceu o medo do cão pois, o cheiro intenso a queijo vindo do embrulho onde encostara a cabeça, deu-lhe uma enorme sensação de fome, fazendo-a quase desmaiar de fraqueza.

No quintal do senhor Avelino, Merlin, Bé e Tatá tentavam chegar a uma conclusão sobre as medidas que deveriam tomar para conseguirem saber o paradeiro de Luna. Acabaram por subir a trepadeira à procura de pistas que os pudessem esclarecer sobre o seu desaparecimento. Assim, um após outro, encabeçados pela Bé, à qual se seguiu a Tatá e, finalmente, o Merlin, conseguiram, com alguma dificuldade, chegar ao ramo que ficava mesmo encostado à janela do edifício. Uma vez lá, tentaram espreitar pelos vidros mas não se via nada por causa do pó acumulado ao longo de muitos anos. Então, a Tatá começou a passar a patinha pelo vidro, fazendo pequenos círculos, até que conseguiu alguma transparência, a necessária para ver um grupo de senhoras a limparem o chão ao longo dos corredores entre as filas de cadeiras. Ficou pasmada com a quantidade de lixo que as pessoas atiravam para o chão, certamente durante as sessões de cinema. Papéis de rebuçados, de chicletes, embalagens vazias de bolachas, enfim, uma autêntica lixeira. Enquanto espreitava, ia soltando "ais" e "Ah’s" o que deixava os outros em pulgas pois não estavam a ver nada e não sabiam a razão de tal espanto. Empurravam-se um ao outro para verem o que levava a Tatá a ficar tão escandalizada. Finalmente, as cabeças ora de Merlin, ora da Bé, alternavam na direcção da pequena clareira transparente, criada pela Tatá ao limpar o vidro. Também eles soltaram exclamações de espanto e tristeza pela pouca civilidade demonstrada pelos cidadãos que usufruíam daquela sala, onde tanto podiam ver interessantes filmes, como pequenos espectáculos, muitos dos quais apresentados pelas escolas dos diversos ciclos e onde, tanto a comunidade educativa local, como alguns convidados vindos de locais mais afastados da Rua da Paz, apreciavam o trabalho desenvolvido ao longo do ano lectivo.

Sem querer, tal como havia acontecido a Luna, o vidro deslocou-se para a frente e, por pouco, os três não iam parar lá em baixo. Merlin ficou com a testa cheia de gotas de suor e as pernas a tremer. Entrar assim, no palco do teatro, como que caindo num precipício, não era o que mais lhe apetecia nesse momento. Estavam a discutir sobre a melhor maneira de descer dali, quando uma das senhoras, olhando para onde lhe parecia vir um som de qualquer coisa a chiar, deu um enorme grito, apontando para a janela. Ao mesmo tempo, as colegas a tentavam acalmá-la, enquanto ela balbuciava algumas palavras que elas mal compreendiam. Finalmente conseguiu falar: “ – Rrrr…rrrr…ratos!!!” “Onde?” – perguntou a mais velha. “Ali, na janela, por cima do palco!” Os ratinhos ficaram sem pinga de sangue. Assim, de repente, não lhes ocorreu nada e como não tinham coragem de saltar dali, ainda por cima com um grupo de pessoas todas aos gritos a olharem para eles, resolveram voltar para trás, pelo mesmo caminho. Sem saber como, rapidamente puxaram a vidraça, conseguindo passar um a um, voltando para os ramos da bela trepadeira. Já no exterior, deram um suspiro de alívio e acabaram por se decepcionarem consigo próprios por não terem conseguido chegar ao palco ou à sala e tentarem encontrar algum vestígio ou sinal da presença de Luna, uma vez que as marcas deixadas no tronco da trepadeira davam a entender que ela teria subido por ali. Acabrunhados, regressaram a casa, combinando para o dia seguinte, uma nova escalada até à janela ou, então, tentarem a entrada por um caminho, onde não corressem o risco de serem descobertos por alguém.

No dia seguinte, Merlin foi acordado com a Bé e a Tatá aos berros, falando as duas atrapalhadamente e ao mesmo tempo. Merlin não entendia nada e tanto mais que passara a noite em claro a pensar no misterioso desaparecimento de Luna. Quando finalmente tinha conseguido pregar olho, é que aquelas duas tinham de aparecer de rompante e numa enorme algaraviada de onde pareciam emergir as palavras “postal”, “viagem” e “castelo”. Merlin não estava a entender e mandou-as calar. Elas calaram-se e a Bé, a tremer, esticou o bracinho para entregar um envelope a Merlin. Cheio de curiosidade, pegou no envelope e os seus olhos nem queriam acreditar no que estavam a ver. Era um postal de Luna, que escrevia do local onde estava e onde explicava resumidamente como tinha ido ali parar.

1 comentário:

Meg disse...

Uma beleza esta tua história!
com fantasia se escrevem realidades do quotidiano.
Continua!
beijo amigo
Meg