sábado, 25 de julho de 2009

Às vezes as coisas não são aquilo que parecem!

Quando Luna atravessou o espelho, correndo atrás da menina quanto podia, sentiu de repente que o chão lhe fugia debaixo dos pés. Isto é, a lareira acabava abruptamente e Luna deu um valente trambolhão, caindo aos pés de um homem enorme, todo vestido de preto que, nervosamente, dava a mão à menina dizendo-lhe, para a sossegar, que estava tudo bem e que não tivesse medo. A menina deu um suspiro breve de alívio e, virando-se, preparava-se para voltar a atravessar o espelho mas em sentido contrário. Luna estava aturdida com tais manobras, ainda mais que a queda da lareira para o chão de madeira não tinha sido propriamente suave. Esfregava ela a coxa direita, quando o homem de preto lhe dá um grande pontapé atirando-a para as chamas cor de laranja que, afinal não passavam de uma magnífica imitação, com um efeito especial produzido por uma lâmpada normal de tungsténio embrulhada em papel celofane. Que grande confusão, pensava Luna enquanto se esquivava de uma menina a correr vestida Rainha Branca de peça de xadrez e duas senhoras que pareciam umas Torres. Enfim, estava numa casa muito estranha! Parecia um baile de máscaras mas, em vez de estarem divertidas, as pessoas pareciam nervosas. Ouvia sussurrar: “Calem-se! Vai abrir o pano!” Espreitando por entre as falsas chamas, Luna apercebia-se, agora, que estava perante uma audiência cheia de olhos cintilantes e ansiosos. Que tola -pensou. Saltara da janela do velho teatro, directamente para o palco onde se estava em plena representação de uma peça. E agora, como havia de sair dali? Se andasse para a frente, precipitava-se para o público que, certamente, sairia em pânico e aos gritos, atropelando-se uns aos outros. Se andasse para trás, arriscava-se a levar uma pisadela dos reis e rainhas, pretos e brancos. Ainda por cima, descobrira que havia lá duas gigantescas gatas, uma branca e outra preta. Ao pé delas o gato amarelo parecia um ratinho, ou seria uma ratazana!

Entretanto, no campanário da igreja, os três ratinhos davam voltas à cabeça, não querendo, sequer, pensar no pior. A Bé ainda conseguiu começar a falar sobre a possibilidade do gato amarelo ter conseguido apanhar a Luna depois do bombardeamento de pedras mas o Merlin e a Tatá nem a quiseram ouvir. Havia que agir, e depressa.

Desataram os dois a descer pela escadaria abaixo, logo seguidos da Bé que, aos gritos e ais, ia tropeçando, de vez em quando, nas caudas compridas e rosadas dos seus amigos que, por sua vez, também gritavam e praguejavam cada vez que a Bé os pisava. Foi uma descida interessante, em que uns gritavam porque ficavam com as caudas presas e outra gritava porque tropeçava nas ditas. Quando chegaram à base da torre da igreja verificaram que a porta estava fechada. E tão depressa não seria aberta, pois o sineiro tinha ido lanchar e ainda não eram horas de puxar a corda do sino outra vez. “Que horror!” - dizia a Bé. “Nunca vou esquecer …” Mas não a deixaram continuar. Merlin descobrira uma passagem por baixo da pesada porta de madeira e preparava-se para passar quando verificou que o buraco era demasiado pequeno. “Já sei! – disse a Tatá. “Vamos todos roer um bocadinho do buraco e assim já devemos conseguir passar!” E assim fizeram. Passaram uma boa meia hora a trincar madeira velha e podre e a cuspir para o lado. “Que sabor execrável!” – constatou Merlin. “Preferia comer alface!” – que não era, de todo, o seu prato favorito.

No teatro, as coisas não tinham melhorado. Luna acabava de ter uma ideia que poderia dar resultado. Á frente da lareira havia uma tenaz com um cavaleiro de cartão em posição de quem estava a escorregar. Lembrou-se, então, de se agarrar bem ao cavaleiro e esperar que o tirassem do lugar podendo, deste modo, esgueirar-se para fora de cena sem que ninguém pudesse dar conta dela. Se assim pensou, melhor o fez. Na cena seguinte, a lareira foi retirada para o lado esquerdo de quem olha para a frente do palco e a tenaz foi removida. Removida é uma força de expressão. A tenaz foi atirada para um canto, fazendo com que a nossa amiga, agarrada com quanta força tinha, tivesse sido projectada contra a parede interior de um dos camarins o que lhe provocou uma enorme dor de cabeça. Começou uma música engraçada e era tempo de se escapar dali para fora. O pior é que, após a pancada, Luna começou a sentir uma tontura, acabando por desmaiar, ficando ali, abandonada à sua pouca sorte, sem ajuda, completamente entregue a si mesma.

Com o final da peça, os actores começaram a sentir o alivio da responsabilidade que pesara sobre eles, enquanto iam despindo as roupas e as personagens, recebendo os parabéns de amigos e familiares por terem desempenhado tão bem os seus papéis. A sala foi ficando vazia. Os últimos a sair foram os técnicos de som e os responsáveis, vestidos de preto, bem como alguns actores mais velhos e respectivos familiares. Carregaram-se os adereços de palco, desmontaram-se os cenários, as últimas luzes apagaram-se e tudo o que tinha de ser levado dali foi carregado e transportado para outro lugar. Tudo, excepto a tenaz com o cavaleiro, ficando Luna desmaiada, atrás do adereço, caída no chão.

2 comentários:

Meg disse...

Os actores não são mais que gente de carne e osso, vestindo uma "virtualidade", como forma de roupagem da alma nua....
É um "faz de conta", que fascina todos, libertando muitas vezes os "fantasmas" dos que incorporam as personagens. Alivia!!!!
Continua a criar sonhos!
Baijinho
Meg

Becas disse...

Amiga,gostei de ler as tuas histórias, deves continuar.No entanto se introduzires mais o diálogo, talvez o discurso se torne mais vivo e capte mais a atenção do publico mais novo.De resto parabéns!Vamos ter uma nova escritora de literatura infantojuvenil?