“Dizem que os campanários são lugares onde se pode marcar o tempo, através dos toques dos sinos! Regula-se assim a vida dos habitantes que vivem à sua volta!” – comenta a Bé. “Sim! - concorda a Tatá. “ Também emitem sons característicos que podem ter significados diferentes e muito importantes para quem os ouve!” – acrescenta. “Sinal de incêndio, de morte, de casamento e outros!” “ Pois, por isso é que sino vem da palavra latina signum que significa sinal!“ -completou a Bé. "Dizem que nas invasões francesas…” E durante algum tempo, as duas amigas continuaram a dissertar sobre as características e vantagens dos campanários, enquanto subiam a escadaria em caracol da torre da velha igreja, de tal maneira que nem se aperceberam da respiração ofegante de alguém que, com alguma dificuldade, subia ansiosamente os mesmos degraus de madeira, já meio comidos pelo caruncho, que o sineiro deixara apoderar-se discreta e perigosamente, em quase toda a sua altitude. Só o ranger de um degrau mais fragilizado fez com que as duas amigas olhassem para baixo, não sem um pequeno sobressalto, que rapidamente se transformou em alívio. Era Merlin quem subia afincadamente a escadaria, na ânsia de chegar ao mesmo tempo ao cimo da torre que há muito desejava conhecer. Abraçaram-se de contentamento, pois a última aventura ia resultando em tragédia e foi com enorme euforia que reviveram e recontaram os momentos mais críticos. Enquanto falavam os três ao mesmo tempo, o olhar de Merlin procurava qualquer coisa ou alguém que parecia faltar. Luna não se encontrava junto das outras ratinhas!...
Voltemos, então, um pouco atrás na história. Quando Luna se atirou do velho castanheiro, juntamente com Merlin, caiu em cima do gato amarelo e foi salva, tal como o amigo, pelas pedradas certeiras da Tatá e da Bé. Enquanto o gato desaparecia rapidamente, assustado e confuso, Merlin tombou para direita, enquanto que Luna tombou para a esquerda. Ora, o sítio onde Luna caiu era ligeiramente inclinado e escorregadio e esta foi rolando, rolando, até que parou, ou melhor, foi travada, por uma cameleira que, emergindo do solo, se elevava majestosamente, exibindo magníficas flores brancas que, com o embate, deixaram cair uma chuva de pétalas, ficando tudo coberto de uma camada tão fina e bela como a neve. Luna ficou atordoada e, olhando para cima para ver de onde caia tão grande quantidade de branco, avistou uma janela através da qual uma menina de cabelos encaracolados, presos por um laço azul, parecia discursar sobre qualquer coisa, enquanto olhava para baixo de quando em vez, para logo se afastar com gestos largos, como que iniciando um bailado. Luna esfregou os olhos e, tentando recompor-se da queda, conseguiu levantar-se e seguindo a menina com o olhar, subiu pela trepadeira que envolvia a curiosa janela da casa que se erguia à sua frente. Com algum esforço conseguiu subir até lá acima e, espreitando pela vidraça, inadvertida mas silenciosamente, empurrou-a vendo e ouvindo algo que fez com que duvidasse dos seus próprios olhos e ouvidos. A menina estava numa sala, grande e bem decorada, com móveis que pareciam pertencer a uma época passada e nada condizente com os dos pacatos e pobres habitantes da Rua da Paz. Falava com alguém, mas parecia não se encontrar mais ninguém naquela sala. Ao fundo, sobre uma lareira imponente, lindamente decorada e onde bailavam chamas alaranjadas, algo brilhava com intensidade, como um chamamento, uma atracção. Era o espelho mais belo que Luna alguma vez vira. Então, aconteceu uma coisa extraordinária: o espelho começou a diluir-se numa espécie de neblina e a menina, subindo por uma cadeira com alguma dificuldade mas decididamente, atravessou o espelho como se fosse a coisa mais natural do mundo. Durante alguns instantes Luna não quis acreditar no que os seus olhos viam mas, como era possuidora de uma grande curiosidade, rapidamente saltou da janela para o chão e correndo para cima da cadeira, galgou a lareira, conseguindo passar para o outro lado do espelho, antes que a neblina se transformasse novamente em vidro.
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