domingo, 19 de julho de 2009

Os Três Ratinhos

Merlin, Be e Luna eram três ratinhos irmãos que viviam no quintal da casa do sapateiro do Beco da Rua da Paz e andavam sempre juntos. Por vezes também se juntava a eles a Tatá que era amiga, de longa data, do Merlin. O que mais gostavam de fazer, era subir a lugares muito altos, para verem tudo o que a sua vista podia alcançar.

Passavam pelas mais extraordinárias aventuras. Certa vez, subindo a um carvalho enorme, ouviram um piar muito estranho de vozes que, em coro, pareciam desesperadas. Aproximaram-se um pouco, mas não viram nada nem ninguém. Passados, nem dois minutos, chegou um pequeno Picanço Barreteiro com qualquer coisa na boca, poisando num ramo ali próximo. Aventurando-se um pouco mais, chegaram-se à frente e acabaram por descobrir que estavam muito perto de um ninho com quatro pequenos Picanços em cujos bicos a mãe colocava um insecto que tinha ido buscar para lhes saciar a fome. O Picanço Barreteiro é uma ave migratória, que pode nidificar em várias árvores, entre elas os carvalhos e cuja característica mais marcante é a cor castanho-avermelhada na coroa e nuca, sendo mais arruivada nas fêmeas. Os ratinhos nunca tinham visto nada assim, não só porque as aves eram muito bonitas,mas também, porque lá em casa, embora já fossem todos crescidos, se recordavam bem que, quando nasceu a Dadá, não era deste modo que a mãe a alimentava.

Lá em baixo, o gato amarelo não cabia em si de contente ,por ter encontrado com tanta facilidade, tal quantidade e tão variados acepipes para o jantar.

Quando deram pela sua presença, já era tarde demais para descer. Estavam eles a pensar no que haviam de fazer à sua vida, quando a Bé teve a ideia de subirem para o ramo mais alto do velho castanheiro e, balouçando-se, tentarem cair no parapeito da janela do senhor Avelino, que ficava na casa mesmo ali ao lado. Assim fizeram. Primeiro saltou a Bé, que era a mais decidida, depois foi a Luna. O Merlim, que em tudo era um perfeccionista, queria fazer um salto muito elaborado e isso envolvia muitos preparativos. Finalmente o Merlin anunciava, em voz alta: “-Aqui vou eu!” É preciso dizer que Merlin era um ratinho muito brioso. Quando metia na cabeça que havia de fazer uma coisa, fazia-a bem feita e não havia quem lha tirasse da ideia. Por isso não era de estranhar que, sendo o último, precisasse de se chegar atrás para ganhar balanço, de forma a que o salto saísse na perfeição. Só que, durante este recuo, escorregou numa folha solta e ficou pendurado no ramo da árvore, sem que ninguém lhe pudesse valer. A Bé e a Luna entraram em pânico!...Ora, neste momento, ia a passar, mesmo perto do gato amarelo, a Tatá que, apercebendo-se do perigo que o amigo corria, imediatamente pôs em pratica uma estratégia para o salvar. Ela tinha, realmente, uma grande presença de espírito. Pegando numa espiga de milho que, juntamente com outras, estava amontoada no pátio da casa, vai de se agarrar a ela com tanta força que, empurrando os pés com destreza, conseguiu fazer soltar uma rajada de grãos de milho mesmo na direcção do focinho do gato amarelo, fazendo-o ficar furioso e correr logo de seguida atrás dela e que ,por pouco, não foi apanhada.

Merlim estava mais apavorado com a possibilidade do gato amarelo apanhar a Tatá do que de cair em cima do focinho dele. A Bé e a Luna sustiveram a respiração por segundos, que foi o tempo que a Tatá demorou a enfiar-se num buraco da velha árvore. Enquanto se baloiçava na árvore, Merlim só pensava em como se tinha metido naquele sarilho e como já não havia nada a fazer senão sofrer as consequências, fossem elas quais fossem. Numa inspiração momentânea, Luna teve uma ideia que talvez pudesse resultar para salvar o amigo Merlin de se estatelar: Puxando uma folha do ramo de onde tinha saltado, conseguiu içar-se e foi pôr-se ao lado de Merlin, dizendo muito baixinho: “-Amigo, agarra-te à minha cauda com a patinha esquerda enquanto eu penso numa maneira de nos tirar daqui! Vês lá em baixo um monte de feno? Se fizermos pontaria juntos, podemos balançar-nos e cair em cima dele, em vez de partirmos o pescoço!” Merlin não queria. Achava que o mais seguro era continuar balançando no troco da árvore à espera de uma corrente de ar que o levasse para um sítio seguro e, de preferência, quentinho. Luna insistia, a Bé gritava, a Tatá chorava e Merlin estava a entrar em depressão.

No meio desta confusão, a mãe Picanço começava a ficar furiosa com tamanha barulheira e desatou a dar bicadas nas patitas do Merlin, que gritava desalmadamente. Não aguentando mais, agarrou-se com toda a força à cauda da Luna e largou o ramo. A Luna nunca pensou que o Merlin pesasse tanto. Ia ficando sem cauda. Então, gritando de dor e de desespero, Luna largou também o ramo, indo cair os dois ao mesmo tempo, não no monte de feno, mas no monte de pelo amarelo do gato que estava a olhar para cima, a abanar a cauda, excitado, sorrindo e lambendo os beiços, com a perspectiva de apanhar os dois de uma assentada. Assim que os ratitos caíram, o gato deitou-lhes as unhas e começou a atirá-los ao ar. Luna e Merlin gritavam aterrorizados. Eram atirados ao ar e deixados cair sem dó nem piedade pelo cruel gato amarelo, que via nesta brincadeira mais uma maneira de passar o tempo do que propriamente de se alimentar, pois tinha acabado de lanchar uma rodela de chouriço que o sapateiro lhe tinha trazido de casa.

Estava ele nesta brincadeira, quando desaba uma tempestade de pedras, não se sabe de onde, deixando o gato desorientado. Nem tempo teve de ver de onde elas vinham e começou a correr em direcção à loja do sapateiro refugiando-se atrás de um monte de botas e sapatos ,que esperavam pela sua vez de serem consertados.

“Foi por um triz!” - Disseram em uníssono a Bé e a Tatá. “Se não tivéssemos encontrado este monte de areia, de onde começámos a atirar grãos em direcção ao gato amarelo, com as nossas patinhas traseiras, ainda hoje o gato ia papar uma jantarada daquelas!”

Dito isto, fugiram dali para fora e dirigiram-se ao campanário da Torre da Igreja, que há muito lhes tinha despertado a atenção.

Para saberes mais sobre o Picanço Barreteiro, Ave do Ano 2009

http://www.spea.pt/index.php?op=avedoano2009

4 comentários:

Luís Duarte disse...

Mais uma história muito bonita e muito bem narrada.Gostei muito.
Luís

Meg disse...

Gostei desta mistura entre o real e a fantasia, com uma trama bem montada, com personagens vivas, que encantam...é um prazer para as crianças ouvirem dos adultos!
Em Agosto vou testar com o meu sobrinho mais pequeno
Parabéns Flora!
beijoca
Meg

Merlin disse...

É um raro - e, para mim, inesperado - privilégio poder contar com a amizade destas ratinhas. De facto, há ramos muito escorregadios nos castanheiros da vida; mas quando, afortunadamente, encontramos uma cauda amiga, não há que temer! Estamos safos! Só lamento a dor causada... Prometo que, para as próximas aventuras, tentarei aliviar o "lastro"...!

Espero por ti... no campanário...

Anónimo disse...

tia flora tem jeito para tudo, para escrever historias, para dar aulas do quer que seja mas gosto mais como encenadora de peças de teatro.

bjc:da kitty/rainha preta


ines